Eu dizia: “Que porra é essa?”
Fonseca, que na época devia estar rompendo a barreira dos 40, era meu vizinho há um bom tempo e do seu violão só saía coisas estranhas e chatas que eu ainda não era capaz de compreender.
Depois de muito tentar sozinho e relutar, resolvi perturbá-lo.
- Seu Fonseca, afina meu violão, vai. Eu não estou conseguindo tocar.
Ele sorriu cinicamente, com certeza pensou: “como se você fosse conseguisse tocar mesmo o com violão afinado” e em seguida respondeu:
- Claro. É para já.
Voltei para casa feliz da vida. Agora, nada mais poderia me impedir.
Mas o pensamento de Fonseca se concretizou. Eu não consegui tocar nada. E o pior, o violão estava novamente desafinado. Eu, ingenuamente, pensava que uma vez afinado, o violão mantinha esse estado para sempre.
Nem pensei na possibilidade de voltar ao vizinho para ele reafinar o instrumento. Com esse quê de “A menina de lá”, vai que ele pensava que eu era gay. Aí já viu, né...
De fato, eu percebi que precisava urgentemente aprender como se afinava aquilo. Tanto tentei, que consegui. Já tocava algumas canções com a ajuda de revistinhas, e incrivelmente já afinava meu instrumento por conta própria. (Fonseca suspirou aliviado)
Meu pai queria que eu começasse a estudar música. Disse que iria contratar um professor particular para mim. Não sei porque, ou se inconscientemente eu já tinha um espírito autodidata, mas falei para ele que não queria. Eu estava satisfeito com a velocidade da minha evolução, e com o auxílio incondicional das minhas revistinhas.
Aos poucos a minha família estava se acostumando e cada vez mais eu ouvia menos coisas do tipo:
“Luis Felipe! Pare esse violão. Estou vendo a novela”
“Luis Felipe! Pare esse violão. Estou dormindo” (nunca entendi como meu pai reclama das coisas e diz estar dormindo)
“Luis Felipe! Pare esse violão. Estou estudando” (nunca entendi como minha irmã pensava que eu pensava que ela realmente estudava algo)
Não era muita coisa, mas eu já conseguia tocar coisas inteligíveis. Já pediam até que eu levasse o violão para a escola.
Mas, a guitarra já tinha entrado nas listas de desejos desse jovem orelhudo e olherudo potencialmente capitalista.
Para tal, eu não poderia ficar em recuperação na escola.
Esse era o problema...